quarta-feira, 4 de julho de 2012

ANDROGINIA, HOMOSSEXUALIDADE E TRAVESTISMO EM MANGÁS E ANIMES

Gente, venho aqui compartilhar uma reportagem antiga, cedida pela minha amiga Rapha Luna [arrasou sua lindha], que trata sobre essa questão tão interessante e ainda muito polêmica...

"Muitas vezes, em animes e mangás, vemos uma figura muito bonita, de traços finos e delicados, cabelos compridos, lábios carnudos, suave e de movimentos calmos. Enquanto pensamos o quanto a moça é bonita e qual dos heróis provavelmente vai se apaixonar por ela, qual não é a nossa surpresa ao ouvi-la falar e... perceber que é um homem! Quantas vezes eu não passei por isso (e provavelmente você também, caro leitor)! A primeira vez que eu vi Shun, dos Cavaleiros do Zodíaco, Kurama, de Yu Yu Hakusho, Marron e Mirufu-yui, de Bakuretsu Hunter, só para citar alguns, eu tinha certeza de que eram mulheres. Mas o inverso também é verdadeiro: a gente vê um rapazinho magro, de cabelos curtos e olhos grandes, expressão resoluta e movimentos rápidos e só mais tarde percebe que... era uma mulher! É só lembrar de Noa em Patlabor ou Haruka em Sailor Moon S.


Aphrodite de Peixes, de Cavaleiros do Zodíaco

E se isso fosse tudo, ainda vá, mas e aqueles personagens que teimam em dar uma de travesti? Homens que adoram se vestir de mulheres, como Olho de Peixe em Sailor Moon Super S, ou mulheres que preferem o conforto das roupas masculinas, como Haruka/Sailor Urano de Sailor Moon S, são relativamente comuns em mangás e animes, tanto que a gente passa a desconfiar de tudo e de todos.

Olho de Peixe, de Sailor Moon Super S - é verdade, ele é um homem!



Passado o susto inicial, a gente logo se adapta e pensa "bem, eles são assim mesmo, vamos desconsiderar o sexo e ver do que ele/ela é capaz". Mas sempre fica aquela pergunta: o que é que há com esses japoneses malucos? Afinal, por que eles insistem em pôr esses personagens "esquisitos" nos mangás e animes? Será que tem tanto gay no Japão?
Bem, aí a gente precisa distinguir claramente três coisas que, embora muitas vezes andem juntas, não são iguais: androginia, homossexualismo e travestismo.

PARECE MAIS NÃO É

Andrógino é uma pessoa que tem traços masculinos e femininos ao mesmo tempo, isso é, não dá pra dizer de cara se é homem ou mulher. O conceito do andrógino existe desde os antigos gregos: uma lenda grega dizia que no início o ser humano era andrógino, nem homem, nem mulher. Depois, por uma razão qualquer (ehr... não tive tempo de checar isso...), ele se dividiu em duas metades, uma feminina e uma masculina. Porém, cada uma das partes agora estava incompleta, e passava toda a sua vida tentando achar a sua outra metade para voltarem ao estado de completude inicial. É daí que vem as expressões "cara metade" e "alma gêmea" e a idéia de que cada um de nós tem uma outra pessoa que nos completa andando por aí.



Seiya Kou de Sailor Moon Stars é um homem que vira mulher quando se transforma em Sailor.
Ele com certeza já entrou em contato com seu lado feminino!



O ser andrógino é, por isso, bastante intrigante: primeiro, não se sabe bem como ele/ela irá reagir, porque não parece estar ligado a nenhum dos dois "modelos básicos" de comportamento, masculino ou feminino. Depois, o andrógino (vamos usar o masculino, já que esta é a forma neutra em português) inspira imensa curiosidade: como será que ele é por baixo da roupa? Como se pode ser homem e mulher ao mesmo tempo? (se bem que aqui o caso é mais dos hermafroditas, seres que SÃO masculinos e femininos ao mesmo tempo. Atualmente, usamos o termo "andrógino" para uma pessoa que geralmente só PARECE ser ambos, mas "anatomicamente" é homem ou mulher). E em terceiro lugar, o andrógino atrai igualmente ambos os sexos e parece à vontade com ambos, podendo flertar (ai, que palavra velha! Ok, podendo "paquerar", "ficar") tanto com homens como com mulheres sem realmente causar grande escândalo: afinal, ele pode ser uma coisa ou outra - ou nenhuma das duas, dependendo do que lhe convenha.
Fora todo esse mistério e fascinação, há várias outras razões para a grande presença de personagens andróginos em mangás e animes, e todas têm a ver com particularidades da cultura japonesa. Vamos ver algumas delas.

REFINAMENTO E BELEZA



Na cultura japonesa, a beleza é fortemente associada a coisas pequenas, delicadas, finas e delgadas, calmas e suaves. Pensem no bambu, no papel de arroz, na cerâmica, nos olhos e boca minúsculos das gueixas, nas bonecas e miniaturas, nos arranjos de flores. Tudo o que é belo é calmo, pequeno e suave. Assim também as pessoas: o ideal de beleza clássica japonesa são as gueixas, que são "moldadas" para serem pessoas suaves e delicadas, e que correspondem mais ou menos à figura básica feminina no mundo todo. Não estou dizendo que o mundo todo espera que as mulheres sejam gueixas, mas sim que costumamos associar os traços de "bonito", "pequeno", "delicado", "suave" à figura feminina.
Em mangás e animes temos a possibilidade de "criar" pessoas idealizadas, exatamente do jeito que queremos (por isso muita gente emocionalmente "meio instável" parece só poder se apaixonar por "pessoas bidimensionais", sejam elas as bonequinhas prontas para tudo das revistas hentai (pornográficas) japonesas ou as "panteras" do pôster central da Playboy, só para citar os casos mais comuns). Desse modo, os personagens de mangá e anime são desenhados para encarnar as virtudes (ou vícios) mais importantes para o desenrolar da trama. Se a característica mais importante de um personagem é ser forte, ele pode ser desenhado de um modo mais rústico, como por exemplo, Goku em Dragonball. E se um personagem precisa ser refinado e belo, inspirar admiração e atração, ele geralmente é desenhado de acordo com o ideal de beleza japonesa - ou seja, com traços delicados que acabam se aproximando fortemente da imagem feminina e, consequentemente, tendem à androginia, como é o caso de Marron em Bakuretsu Hunters.



PAPÉIS SOCIAIS: A FORÇA E A INICIATIVA

Do mesmo modo, a idéia de força, iniciativa, liderança e auto-suficiência tende a ser associada à figura masculina, principalmente no Japão, onde os papéis sociais de "homem" e "mulher" ainda são muito marcados. Devido a uma cultura milenar de segregação dos dois sexos, que praticamente não interagiam na sociedade, mulheres ativas e com atitudes "agressivas" ainda causam um certo espanto - inclusive eu soube ultimamente que a revistinha da Mônica chegou a ser proibida no Japão há muitos anos atrás, provavelmente porque uma menina que sai batendo em meninos seria considerada "prejudicial à moral e aos bons costumes" (^_^ ). (Atenção: As histórias e gibis da Turma da Mônica não enfocam temas como homossexualismo ou travestismo, apenas a personagem foi usada aqui como exemplo de choque cultural!).
Mas mesmo a Mônica já mostra como as mulheres de gênio forte e grande iniciativa tendem a apresentar "traços masculinos", como cabelos curtos. O mesmo acontece em mangás e animes: para acentuar a independência e a força de vários personagens femininos, bem para mostrar como elas são diferentes das "mulheres comuns", os desenhistas muitas vezes carregam nos traços comumente considerados masculinos, em especial o cabelo curto e uma expressão facial mais dura.



Marcas sociais: o vestuário e os cabelos

Embora haja alguns "sinais" que parecem ser universais no reconhecimento de um indivíduo como homem ou mulher (como já disse acima, fragilidade e delicadeza associadas às mulheres, força e agressividade associadas aos homens), cada grupo social marca (ou não) esses papéis através de diferentes coisas, entre elas, o vestuário.
Nas sociedades de fundo cultural cristão-europeu não há muitas diferenças no vestuário de países tão diversos como, por exemplo o Brasil e a Bolívia, o Canadá, a Holanda e a Itália: temos especificações claras para quais roupas e penteados podem ser usados por homens e quais podem ser usados por mulheres no dia-a-dia:
Os homens usam cabelos curtos e calças, compridas ou curtas, camisas ou camisetas, ternos ou jaquetas, sapatos de saltos baixos e não usam maquiagem. Atualmente está crescendo o uso de jóias e bijuterias, mas geralmente são bem pequenas e discretas; os brincos, quando são usados, geralmente são argolas, bolinhas ou pedrinhas bem pequenas, nunca pendentes grandes e nas duas orelhas (estou falando da MÉDIA, pessoal! É claro que sempre há aqueles que fogem da "norma", mas estes também são marcados socialmente. Vejam quantos homens não têm de tirar os brincos para trabalhar!).
A roupa "clássica" para as mulheres é a saia ou o vestido. Apesar do uso generalizado da calça comprida ou curta e camisa/camiseta/blusa para o dia-a-dia (quando, durante o trabalho, elas se igualam aos homens), é só ver como a maioria das mulheres "reverte" para o vestido quando há alguma festa ou solenidade, como um casamento, por exemplo. Quase que se espera que usem jóias bem aparentes, maquiagem e sapatos de salto alto (inclusive este é o "uniforme" de trabalho para muitas mulheres, dependendo das firmas ou dos cargos que ocupam). E para a grande maioria os cabelos compridos são a marca máxima da feminilidade.




Enquanto as mulheres passaram a adaptar e a usar a indumentária e o penteado masculino (já que elas passaram a trabalhar fora, o que antes era domínio exclusivo dos homens), vemos que, no dia-a-dia, não é aceitável que homens usem roupas consideradas femininas (mas pensem com que freqüência - e naturalidade - isso acontece no Carnaval, quando as regras sociais são revogadas). As poucas tentativas de homens usarem saias no mundo ocidental ficaram restritas aos escoceses e a uns poucos artistas ou homens que querem marcar a sua posição à margem das regras sociais.

Kamatari, de Samurai X/Rurouni Kenshin, diz que sempre se sentiu uma mulher e, assim, se veste como uma



Assim, a idéia de "travestis", ou seja, pessoas que usam roupas tradicionalmente associadas ao sexo oposto, está associada à marginalidade (que aliás pode ser bem ou mal vista, dependendo do seu apego aos valores sociais...). Isso não é exclusividade do Brasil ou da cultura européia, acontece em todos os grupos sociais. No entanto, quando temos casos de marcas sociais diferentes em encontros de culturas, pode haver dificuldades de entendimento. No Japão, a roupa clássica tradicional era o kimono, que no fundo é... uma saia, e que era usado tanto por homens como por mulheres. É claro que há grandes diferenças entre os quimonos masculinos e femininos, mas o que eu quero dizer é que para um ocidental eles parecem sempre a mesma coisa: uma saia. Nas classes mais humildes, quando homens e mulheres precisavam trabalhar lado a lado (por exemplo, nas plantações de arroz), ambos os sexos usavam calças praticamente do mesmo modelo. Assim, vemos que no Japão não parece haver uma tradição tão arraigada de "saias para mulheres, calças para homens" como há na sociedade ocidental, e podemos imaginar que o fato de um homem usar saias não seja tão surpreendente para os japoneses como é para nós. Culturalmente, a moda ocidental poderia ser vista, pelos japoneses, como uma "fantasia" que usam quando querem assumir papéis nos moldes ocidentais, como na sociedade industrializada de hoje, mas que não precisa ser necessariamente utilizada com o mesmo valor das regras ocidentais. Do mesmo modo que nossos homens usam saias no Carnaval e não ficariam envergonhados de usar quimonos num restaurante japonês, os personagens de mangás e animes não se sentem "pervertidos" ao usar as roupas do sexo oposto, seja por praticidade (como Haruka na imagem ao lado, o que nós consideramos normal, já que nossas mulheres também se vestem como homens), como artifício para conseguir o seu intento (como quando Zoicite se disfarça de Sailor Moon para atacar Tuxedo Mask ou Bado de Patlabor se disfarça de odalisca para fugir do país) ou simplesmente por "farra" (como Rubi Moon de Card Captor Sakura - que realmente é do sexo masculino, mas optou por usar o uniforme feminino da escola e saias porque "eram mais bonitas"). O mesmo vale para os cabelos, já que por muito tempo homens e mulheres no Japão usavam os cabelos compridos (embora houvesse diferenças no modo como eram penteados).



NEM TUDO É O QUE PARECE

Assim, muitos dos sinais que recebemos de personagens de mangás e animes são lidos, em nossa sociedade, como marcas de um comportamento social (e sexual) marginal. Esperamos dos homens que sejam "rudes", "fortes" e descuidados de sua imagem pessoal, que tenham cabelos curtos, nunca usem saias ou maquiagem, que não se aproximem fisicamente de outros homens (a não ser na comemoração dos gols no futebol... (~_^) ) e que não mostrem seus sentimentos. Das mulheres, esperamos que sejam belas e preocupadíssimas com a aparência e seus longos cabelos, que sejam frágeis e medrosas e que pensem o tempo todo em como conseguir um homem que as proteja. Quando encontramos personagens masculinos que apresentam cabelos compridos, traços delicados e comportamento sensível (como um símbolo de seu caráter) ou mulheres de cabelos curtos, traços fortes e comportamento agressivo (como marcas de sua determinação) ou personagens travestidos (seja lá porque razão), nós os identificamos imediatamente com o que esses sinais significam em nossa sociedade - homossexualismo - e com toda a carga negativa que esse conceito tem na sociedade cristã ocidental.



No entanto, embora muitas vezes essa impressão se confirme (porque em mangás e animes HÁ personagens homossexuais, ao contrário da imensa maioria das obras correspondentes no ocidente), ela nem sempre é verdadeira: a grande maioria dos personagens andróginos é simplesmente... andrógina. Apenas sua aparência é "duvidosa", como um reflexo de suas características mais importantes, sejam elas o bem estar do próximo (como na figura ao lado, onde Shun abraça o Cisne para salvá-lo da morte por congelamento com o calor de seu corpo - com certeza a cena chocou muita gente, mas Shun não é gay - aliás, acho que ele nem sabe o que é sexo...), a preocupação egoísta com a aparência (como em Misty ou Aphrodite dos Cavaleiros), ou simplesmente por seu caráter mais reservado (como Kurama de Yu Yu Hakusho - apesar de Karasu ter "dado em cima" dele durante o torneio, não há nada que indique que Kurama teria gostado da atenção...).



PARECE... E É!

No entanto, muitas vezes a suspeita de homossexualismo se confirma abertamente, para nossa surpresa e desespero dos censores e defensores da moral e dos bons costumes de plantão. No entanto, para entender melhor o porquê de personagens gays em mangás e animes, vamos ver o porquê da AUSÊNCIA de tais personagens nos quadrinhos e desenhos animados ocidentais.



O PESO DA RELIGIÃO

Bem, por que tanto medo do homossexualismo na sociedade ocidental? O homossexualismo é normalmente considerado um desvio, uma doença, uma perversão. O principal argumento para esse ponto de vista é o de que o sexo tem como função essencial a reprodução, assim, um par homossexual não estaria "cumprindo sua função biológica" e por isso deveria ser desencorajado. No entanto, pesquisas recentes sobre homossexualismo no mundo animal mostram que existem casais homossexuais estáveis em várias espécies e que criam seus filhotes muito bem (é claro que, para conceber os filhotes, é necessária a colaboração de um indivíduo do sexo oposto, que às vezes é inclusive integrado à família). Assim, essa teoria parece estar desmoronando.
Contudo, essa é a visão oficial e ferrenhamente defendida da Igreja cristã. O sexo é visto como "pecado" em qualquer forma que não seja a de gerar filhos em um casamento aprovado e sancionado pela dita Igreja. Até anticoncepcionais e outros meios de evitar filhos são muitas vezes totalmente repudiados: "se você não quer filhos, não faça sexo", parece ser o lema. No fundo, é isso mesmo. Mas e o que fazer quando se alia o sexo ao amor e/ou prazer? Não é possível criar todos os filhos que surgiriam desses encontros. E no caso de casais estéreis? Eles não deveriam fazer sexo? (Realmente, pela doutrina mais radical, um casamento não tem outra finalidade a não ser gerar filhos e, assim, tais casamentos podiam inclusive ser anulados, antigamente).
Bem, essa visão estreita do sexo (e que me desculpem os cristãos radicais, mas essa é MINHA opinião, não estou dizendo que ela é a certa ou a melhor, mas eu tenho direito a ela. Se você não gosta do que está lendo, apenas procure uma outra página que lhe agrade mais) marcou como imprópria qualquer forma de relacionamento que tivesse algo a ver com sexo, mas não resultasse em filhos, como o homossexualismo, e disso resultou esse tabu em nossa sociedade atual. Um tabu é algo que existe, mas sobre o qual não se fala em público, não se discute e, principalmente, que se esconde ao máximo, para que a sua simples menção não "corrompa as mentes mais fracas". É por isso que o homossexualismo simplesmente é banido de tudo o que tenha a ver com "crianças" nos meios de comunicação.
No entanto, outras sociedades não cristãs não têm esse preconceito tão fortemente arraigado. É claro que casais homossexuais não são bem vistos pelo fato de não gerarem filhos e, assim, não contribuírem com mais braços para trabalhar e pagar impostos, mas são mais bem tolerados que no ocidente. Inclusive eu li uma vez que, em algumas regiões da China antiga, havia casos oficiais de casamentos homossexuais masculinos, desde que eles mantivessem também uma "concubina" para que fossem gerados filhos. Sem a condenação radical da doutrina cristã, é fácil entender porque a sociedade oriental tem menos preconceito contra o homossexualismo.



A SEPARAÇÃO DOS SEXOS

Além disso, nas sociedades onde há grande segregação dos sexos, o homossexualismo é naturalmente mais presente e, consequentemente, mais tolerado. Vejam o caso da Grécia Antiga: as mulheres ficavam fechadas nos aposentos femininos e poucas vezes se misturavam aos homens. Os homens, por sua vez, consideravam as mulheres apenas como "procriadoras". A sociedade era realmente um privilégio dos homens e, conseqüentemente, o relacionamento homossexual masculino (note-se bem, masculino, já que a poetisa Safo da Ilha de Lesbos - de onde vem o termo "lésbica"- nunca foi bem vista por essa sociedade) era o padrão a ser atingido. Dizia-se inclusive que o único amor verdadeiro era o homossexual, pois o outro tinha apenas por finalidade gerar filhos! É incrível como nossa sociedade manteve o mito da perfeição da sociedade grega clássica como base para nosso pensamento, mas eliminou totalmente esse aspecto dos livros de história...
Bem, aqui o importante é mostrar que, assim como na Grécia Antiga, a sociedade japonesa tradicional também via a mulher apenas como uma procriadora e mantinha os dois sexos fortemente separados, o que favorecia as relações homossexuais, tanto entre homens como entre mulheres. De certo modo, essa "forte amizade" entre pessoas do mesmo sexo que vemos em muitos mangás e animes tem realmente um fundo "homossexual platônico" (como no caso de Tomoyo por Sakura em Sakura Card Captors), que não é assim tão mal visto na sociedade japonesa.

O MUNDO REAL

Estas duas razões são, na minha opinião, as mais fortes para explicar a presença constante de personagens homossexuais em mangás e animes. Mas podemos ainda apresentar mais duas:
A primeira é o fato de que mangás e animes buscam o mais possível a identificação com o leitor e com a sua realidade. Assim, como HÁ realmente homossexuais no mundo (apesar de muita gente não gostar do fato), eles TÊM de ser representados nas obras para que possam se identificar com elas. E mesmo os heterossexuais têm amigos ou conhecidos gays, e a sua presença nos mangás e animes apenas contribui para que eles reconheçam, nas obras, o mundo do qual fazem parte (inclusive com a presença, embora menos comuns, de casais de lésbicas, como em Sailor Moon S).
A segunda se refere ao grande "estilo" conhecido como shoujo, ou mangás e animes para garotas. A grande maioria dos autores e do público desse estilo são mulheres e aqui encontramos sempre muitos personagens gays ou andróginos. Haveria duas razões para isso: a primeira, como aponta Webmistress Lizzard no trecho citado mais abaixo, é que assim temos personagens masculinos lindos, mas inatingíveis. Isso define o seu status na trama, pois as mulheres podem interagir com eles mais livremente, sem o risco de um envolvimento amoroso, e cria maiores possibilidades dramáticas. A segunda razão seria uma possibilidade de identificação das leitoras com os personagens gays masculinos. Como já disse antes, a conduta esperada de uma mulher no Japão ainda é muito marcada pela passividade e fragilidade, o que inibe a presença de personagens femininos mais agressivos (lembrem da Mônica...). Assim, as leitoras poderiam "projetar-se" nos gays masculinos, o que lhes permitiria agir de modo mais ativo e agressivo, inclusive na esfera sexual, mas manter os atributos da feminilidade e continuar atraídas por homens.



Seja qual for a razão, a presença freqüente de personagens gays em mangás e animes tem sempre influência sobre a trama e qualquer modificação dessa característica acaba desvirtuando a obra.

INTOLERÂNCIA

Bem, quem me vê falar assim deve pensar que eu sou gay. Sorry, folks, não sou. E estou declarando isso aqui porque muita gente acha que para ver o homossexualismo com tolerância é preciso ser gay também - outro preconceito absurdo. Realmente eu deveria ser contra os gays, já que eles aumentam a concorrência na caça a um marido (^_^), mas eu tenho o péssimo hábito de pensar nas pessoas primeiro como pessoas, e só depois como homens, mulheres, velhos, jovens, desta cultura ou de outra, etc. E assim, mesmo que eu não seja homossexual e não tenha vontade de ser, eu respeito aqueles que fizeram essa opção e, desde que eles existem, acho que devem ser integrados aos produtos da mídia com naturalidade. O que me deixa FURIOSA quando percebo que animes sofrem cortes terríveis ao serem exibidos na televisão ocidental ou, pior, são violentados brutalmente com a mudança de sexo ou a ocultação do relacionamento homossexual de alguns personagens, o que altera radicalmente a concepção original do artista e as relações nas quais se baseia a trama.



Felizmente, nesse departamento o Brasil ainda é mais "mente aberta" que muitos outros países. Nos EUA, por exemplo, a questão da (homo)sexualidade em animes é muito problemática, o que resulta na freqüente mudança de sexo e na ocultação dos relacionamentos, como por exemplo, o fato de Bado em Patlabor e Zoicite e Olho de Peixe em Sailor Moon terem sido transformados em mulheres, o primeiro por parecer demais com uma garota, e os dois últimos porque eram abertamente gays (a versão brasileira seguiu a americana no caso de Zoicite e Bado, mas respeitou a "masculinidade" de Olho de Peixe).



Vou transcrever a seguir trechos do site In defense of Sailor Moon SuperS, onde temos uma visão incrivelmente clara do problema. Sobre o caso específico de Olho de Peixe, a autora, Webmistress Lizzard, diz:

"Olho de Peixe é realmente um homem. De fato, um homossexual masculino travestido - ou ao menos alguém que se diverte em se fazer de garota de vez em quando.

Personagens gays, especialmente masculinos, são freqüentes em animes. Particularmente animes para garotas tendem a apresentar personagens gays lindos, mas inatingíveis. Isto não significa que a atividade sexual seja mostrada. Os personagens simplesmente são... assim. Às vezes isto é usado para adicionar dramaticidade ao enredo, às vezes para efeitos cômicos e às vezes é apenas uma característica do personagem, não mais ou menos importante que a cor do seu cabelo.
Apenas em Sailor Moon já há quatro personagens centrais gays - Zoicite [e, é claro, Malachite], Olho de Peixe, Sailors Urano e Netuno. Os tradutores estão tendo que rebolar para adaptar esses personagens para a televisão americana. Na dublagem, eles transformaram Urano e Netuno em primas. Zoicite, que tinha uma aparência mais delicada, foi transformado em uma mulher. Quando a versão dublada de Sailor Moon Super S fôr ao ar, aposto que o mesmo vai acontecer com Olho de Peixe (Nota: eu estava certa).
Não é que a televisão japonesa seja extraordinariamente progressista. É que a televisão americana é extremamente conservadora. Homossexualismo na TV americana é mais ou menos limitado aos horários e programas para adultos. Muito poucas séries têm personagens gays, e aqueles que existem tendem a morrer antes do que deviam. Vejam só a série Ellen: foi cancelada não muito depois de a artista principal "sair do armário". Foi por causa do Ibope? Foi por causa das reclamações dos espectadores? Foi por causa da opinião dos executivos televisivos que queriam distância da homossexualidade? Provavelmente um pouco de cada. Assim, não é de se admirar que a TV americana tenha medo de mostrar gays em desenhos animados.
Eu, pessoalmente, posso não achar a homossexualidade nojenta ou ofensiva, mas longe de mim dizer que a televisão americana não está fazendo o melhor que pode no clima cultural atual"
(Webmistress Lizzard, In defense of Sailor Moon S - debate. Minha tradução).
Este texto gerou uma violenta reação de uma leitora, e uma resposta excepcionalmente elegante de Webmistress Lizzard, inclusive com uma incrível mostra de conhecimento da religião cristã. Como isso não tem a ver diretamente com o meu objetivo com esta página, quem se interessar pelo assunto (e falar inglês) pode ler a polêmica clicando AQUI.

E AGORA, JOSÉ?...

Isso não acontece apenas nos EUA: por exemplo, Kurama também virou uma mulher nas Filipinas (coitado dele...). Não quero aqui falar mal da TV americana ou de qualquer outro país, apenas quis mostrar que a censura sobre assuntos ligados à sexualidade em animes existe e é bastante ativa. É difícil dizer quando a linha da arte é ultrapassada e descamba para o mal-gosto ou para a "imoralidade", ou o quanto características culturais podem ou precisam ser adaptadas quando seus produtos são mostrados a outras culturas. No entanto, vendo os animes em seu contexto original, sabemos que eles são dedicados a um público "familiar", já que são exibidos na TV aberta. Na minha opinião, a questão da homossexualidade é mostrada de um modo tão "leve" (mesmo a cena mais explícita que já vi até hoje, o beijo de Olho de Peixe em Darien, na figura ao lado, não é mostrada abertamente), que as "crianças" não lhe dão tanta importância: apenas entendem que o personagem em questão é "meio estranho", mas sem atribuição de valores. E quando alguém é "adulto" o bastante para perceber a questão sexual apresentada, bem, então já está mesmo na hora de pensar e discutir sobre o assunto. Cabe a cada um e aos seus pais ou responsáveis conversar sobre o tema do modo que mais lhe convém sob o ponto de vista de suas convicções, sejam elas quais forem. O que eu não posso assistir passivamente é que "censores" roubem previamente a possibilidade do público de entrar em contato com outros pontos de vista, culturalmente diversos dos seus. Se a burka do mundo árabe nos incomoda tanto, por que não nos incomodamos com as manipulações da nossa liberdade de expressão e do acesso à informação."



FONTES: http://members.fortunecity.com/elbereth1/androp.html#

http://members.fortunecity.com/elbereth1/Sailormoonp3.htm

6 comentários:

  1. curti do que falaram sobre mim mas admitam o darien é um gato peguem mais leve comigo e os minhas miguxas (treeligths) mas curti .

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  2. Comece trocando o termo homossexualismo, o sufixo ISSO foi retirado da palavra, por não ser considerado doença. O correto é homossexualidade ou homoafetivo

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  3. gostei do blog muito instrutivo

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  4. Meu Deus, vc saberia o nome e/ou perfil da autora desse texto? Há anos tenho procurado por ela, lá no inicio dos anos 2000 ela tinha um blog que postava diversos textos, alguns tenho salvo e leio até hoje. Infelizmente na época não gravei o nome dela e o blog foi deletado em 2006/07.

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